Para os fissurados em geopolítica, é conhecido o quanto a nação do Reino Unido está queimando sob uma seca histórica, sendo considerada a pior dos últimos (quase) 50 anos.
Em resposta ao “clima de desespero” o National Drought Group — grupo formado por governo, agências reguladoras, ONGs ambientais e setor agrícola — recomendou algo inusitado: excluir dados na nuvem, sejam fotos ou emails.
Além de recomendar as medidas domésticas mais conhecidas (como tomar banhos mais curtos, ou consertar vazamentos) o governo britânico está incentivando cidadãos a deletarem e-mails e fotos antigas armazenados na nuvem como forma de reduzir o consumo de água em data centers, usados para resfriar servidores.
A orientação faz parte de uma campanha de sustentabilidade que busca minimizar o impacto ambiental do setor de tecnologia.
Certamente, a medida repercutiu negativamente e até soa estranha à primeira vista, mas há uma “lógica” por trás. E explicaremos melhor a seguir.
O argumento por trás do pedido de “exclusão de dados na Nuvem”
A justificativa se baseia no funcionamento dos data centers, fundamentais para armazenar dados em nuvem.
Esses centros precisam ser resfriados para evitar o superaquecimento, e muitos ainda utilizam sistemas de refrigeração por água, consumindo milhões de litros diariamente.
A ideia é que diminuir o volume de dados armazenados alivia o tráfego e carga de trabalho, reduzindo, portanto, o uso contínuo e intenso do sistema de água e energia.
De fato, a situação do país é alarmante. Com cinco regiões em estado oficial de seca e outras seis sob condições prolongadas de clima seco, resultado dos seis meses mais secos desde 1976, o governo busca conter o colapso hídrico.

Crítica especializada: uma ação simbólica, porém irrelevante
Helen Wakeham, diretora de água da Environment Agency, afirmou em comunicado à imprensa:
“Escolhas simples e cotidianas — como fechar uma torneira ou apagar e-mails antigos — também ajudam muito no esforço coletivo para reduzir a demanda e ajudar a preservar a saúde de nossos rios e da vida selvagem”
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Especialistas, porém, apontam que a medida de exclusão de dados na nuvem pode ter efeito limitado ou totalmente inútil.
Segundo análises, a maior parte do gasto energético dessas instalações está ligada ao processamento intenso de CPU e GPU, e não ao armazenamento em si.
Dessa forma, uma vez salvos, os dados geram pouco calor e costumam permanecer em dispositivos que só são ativados quando necessário, reduzindo a necessidade de refrigeração constante.
Gary Barnett, analista de data centers, classificou a orientação como “realmente, realmente idiota”, ressaltando que armazenar 5 GB de dados equivalente a dezenas de milhares de e-mails demanda apenas 79 ml de água para refrigeração.
Comparativamente, um banho de 1 único segundo consome entre 10 e 15 litros de água, uma ordem de grandeza muito superior.
O impacto real de “excluir dados na nuvem”
O professor Chris Preist, da Universidade de Bristol, alertou que o processo de exclusão pode consumir ainda mais energia e água do que manter os dados arquivados, especialmente porque muitos arquivos estão em estado de inatividade (cold storage), gerando pouco calor ou demanda.
Além disso, boa parte dos e-mails dos cidadãos britânicos podem estar armazenados fora do Reino Unido, o que significa que qualquer impacto de economia hídrica recairia em outro lugar.
Dessa forma, o único impacto que essa “medida bem-intencionada” teve foi comprometer a clareza da comunicação mais efetiva, pois uma sugestão questionável pode atrapalhar a confiabilidade da mensagem.
De outro modo, consertar vazamentos, reduzir o uso doméstico, reforçar infraestrutura hídrica tem um impacto prático imediato, e convenhamos, bem melhores.